Nix a rainha da noite retirara, o seu escuro manto de estrelas dando lugar a claridade suave do rasto de Ea a aurora que, iniciava o seu passeio pelo universo despertando-me. Acordei com uma sensação de um enorme peso na consciência, como se tivesse feito algo de errado, mas não sabia bem o quê. Ainda me senti meio zonza e as pálpebras permaneciam persistentemente cerradas.
Quando finalmente venci a resistência das minhas pálpebras abri os olhos, estranhei o local onde me encontrava. Não eram as nuvens aconchegantes dos aposentos de Morpheu, mas era igualmente confortável o leito em que repousava. Aos poucos fui recordando os acontecimentos. A partida súbita e urgente de Morpheu com Hermes. A impossibilidade de o seguir. O tom de ironia na voz de Morpheu ao deixar-me na companhia de Hipnos.
Hipnos! Meu Deus! Estava na casa de Hipnos! O jantar. O vinho. O abraço dourado de Hipnos, o seu beijo e aquela divina sensação de prazer antes de finalmente adormecer. O que é que eu tinha feito? O que é que tinha acontecido? Sentia-me confusa como se sentisse que tinha traído Morpheu. E Morpheu onde estava? Porque não regressava? Tinha de admitir que sentia sua falta. Tentava afastar da minha mente os sentimentos de culpa por não ter resistido a Hipnos, mas não conseguia. Por outro lado sentia-me como se o próprio filho de Hipnos me tivesse atirado para os seus braços. Começava a sentir-me mal comigo própria. Era nos braços de Morpheu que eu desejava ter caído, mas a presença de Hipnos não me era indiferente.
De repente ocorreu-me que tudo isto não passava de um sonho idiota. Belisquei-me e esbofeteei-me para ver se acordava, mas a única coisa aconteceu foi ouvir a voz de Hipnos visivelmente divertido perguntar-me:
- A noite foi assim tão má? Ou tens mau despertar?
Um pouco engasgada consegui responder:
-Não. Apenas tentava acordar e voltar para o meu mundo.
-Dessa forma jamais o conseguirás. – Respondeu Hipnos com um ar circunspecto. Apenas o verdadeiro e sincero desejo de regressares te levarão de volta ao teu mundo a que chamas real. Mas devo dizer-te que este mundo é tão real como o teu.
- Mas eu quero voltar para o meu mundo. -Respondi convicta de que teria resultados, porém permaneci junto a Hipnos.
- Porque não consigo? - Perguntei derrotada.
-Pelo mesmo motivo que pediste auxílio a Morpheu, não desejas ser escrava de Cronos.
-Por falar em Morpheu, o que lhe aconteceu? Porque não regressa?
- As reuniões dos Deuses podem demorar. E Morpheu deve ter ido distribuir a sua magia por alguns mortais. Mas não deve tardar. O facto de seres sua protegida não te obriga a partir com ele. Se quiseres podes ficar.– Disse enquanto me pegava na mão.
-Se decidires partir com ele compreenderei e respeitarei a tua decisão. Agora vem, deves querer comer algo.
Conduziu-me de novo ao salão onde jantáramos na noite anterior e deliciei-me com as mais deliciosas frutas. Depois de ter saciado o apetite, não resisti a perguntar, como se chamava a protegida de Morpheu que fora traída por Thanatos. Hipnos que até aí permanecera calado respondeu-me:
-Safira. - Espero ter-te satisfeito a tua curiosidade.
-Não pode ser! Não pode ser! é muita coincidência -respondi como se falasse para mim. –Safira era o nome da minha mãe que falecera de doença prolongada após ter perdido as forças para lutar. Não era um nome muito comum, era demasiada coincidência.
-Vejo que o nome te diz algo.- Comentou Hipnos inquisitivo.
-Sim. - respondi. - Era o nome de minha mãe.
Hipnos nada disse limitou-se a olhar-me em silêncio, depois tomou a minha mão entre as suas e perguntou-me:
-Já decidiste se queres ficar ou partir com Morpheu? Ele deve estar prestes a chegar.
Desta vez quem ficou em silêncio por uns momentos fui eu. Uma parte de mim queria ficar. Outra parte de mim desejava Morpheu.
Hipnos pareceu perceber a minha indecisão.
-Não precisas responder já. Anda vamos dar um passeio, enquanto pensas.
Poucos passos andámos e surge-me a visão deslumbrante de uma cascata de águas límpidas e convidativas.
Vendo o meu olhar de admiração e desejo, perguntou-me:
-Queres nadar na cascata?
-Nadar numa cascata parece-me agradável. Não pensei que se fizesse algo como isso por aqui. –Respondi agradecida por ele respeitar o meu silêncio.
-Tens muito que aprender sobre o nosso mundo. -Disse Hipnos rindo com gosto
Dirigimo-nos para a cascata para irmos nadar. Por entre rochas que pareciam feitas de cristal brotavam águas límpidas e transparentes num cenário envolvido da mais verde vegetação que os meus olhos alguma vez viram. As águas formavam uma lagoa convidativa onde flutuavam uma espécie de nenúfares purpúreos. Nem a minha mais fértil imaginação podia conceber um lugar tão belo, tão paradisíaco como aquele. Hipnos antes de entrarmos nas águas da cascata advertiu-me:
-Esta é a Cascata da Purificação. Só poderás entrar se não ostentares qualquer peça de vestuário sobre o teu corpo, caso contrário, as tuas vestes conspurcarão as suas águas puras e despertarás a ira de Gaia. - Seguidamente despiu-se e entrou na água.
Ainda hesitei por momentos, depois pensei que seria uma idiota se não entrasse naquela cascata divina. Desnudei as vestes que trazia e mergulhei enquanto pensava que se aquele lugar era o paraíso e eu estava morta, não me parecia assim tão mau. Mal pusera cabeça fora de água e nem abrira ainda os olhos, quando ouço em tom espirituoso uma melodiosa voz familiar:
- Vejo que és teimosa, já te disse que não estás morta. Posso juntar-me a vocês?