31/07/2008

Capítulo III (fim de capítulo)

Nix a rainha da noite retirara, o seu escuro manto de estrelas dando lugar a claridade suave do rasto de Ea a aurora que, iniciava o seu passeio pelo universo despertando-me. Acordei com uma sensação de um enorme peso na consciência, como se tivesse feito algo de errado, mas não sabia bem o quê. Ainda me senti meio zonza e as pálpebras permaneciam persistentemente cerradas.

Quando finalmente venci a resistência das minhas pálpebras abri os olhos, estranhei o local onde me encontrava. Não eram as nuvens aconchegantes dos aposentos de Morpheu, mas era igualmente confortável o leito em que repousava. Aos poucos fui recordando os acontecimentos. A partida súbita e urgente de Morpheu com Hermes. A impossibilidade de o seguir. O tom de ironia na voz de Morpheu ao deixar-me na companhia de Hipnos.

Hipnos! Meu Deus! Estava na casa de Hipnos! O jantar. O vinho. O abraço dourado de Hipnos, o seu beijo e aquela divina sensação de prazer antes de finalmente adormecer. O que é que eu tinha feito? O que é que tinha acontecido? Sentia-me confusa como se sentisse que tinha traído Morpheu. E Morpheu onde estava? Porque não regressava? Tinha de admitir que sentia sua falta. Tentava afastar da minha mente os sentimentos de culpa por não ter resistido a Hipnos, mas não conseguia. Por outro lado sentia-me como se o próprio filho de Hipnos me tivesse atirado para os seus braços. Começava a sentir-me mal comigo própria. Era nos braços de Morpheu que eu desejava ter caído, mas a presença de Hipnos não me era indiferente.

De repente ocorreu-me que tudo isto não passava de um sonho idiota. Belisquei-me e esbofeteei-me para ver se acordava, mas a única coisa aconteceu foi ouvir a voz de Hipnos visivelmente divertido perguntar-me:

- A noite foi assim tão má? Ou tens mau despertar?

Um pouco engasgada consegui responder:

-Não. Apenas tentava acordar e voltar para o meu mundo.

-Dessa forma jamais o conseguirás. – Respondeu Hipnos com um ar circunspecto. Apenas o verdadeiro e sincero desejo de regressares te levarão de volta ao teu mundo a que chamas real. Mas devo dizer-te que este mundo é tão real como o teu.

- Mas eu quero voltar para o meu mundo. -Respondi convicta de que teria resultados, porém permaneci junto a Hipnos.

- Porque não consigo? - Perguntei derrotada.

-Pelo mesmo motivo que pediste auxílio a Morpheu, não desejas ser escrava de Cronos.

-Por falar em Morpheu, o que lhe aconteceu? Porque não regressa?

- As reuniões dos Deuses podem demorar. E Morpheu deve ter ido distribuir a sua magia por alguns mortais. Mas não deve tardar. O facto de seres sua protegida não te obriga a partir com ele. Se quiseres podes ficar.– Disse enquanto me pegava na mão.

-Se decidires partir com ele compreenderei e respeitarei a tua decisão. Agora vem, deves querer comer algo.

Conduziu-me de novo ao salão onde jantáramos na noite anterior e deliciei-me com as mais deliciosas frutas. Depois de ter saciado o apetite, não resisti a perguntar, como se chamava a protegida de Morpheu que fora traída por Thanatos. Hipnos que até aí permanecera calado respondeu-me:

-Safira. - Espero ter-te satisfeito a tua curiosidade.

-Não pode ser! Não pode ser! é muita coincidência -respondi como se falasse para mim. –Safira era o nome da minha mãe que falecera de doença prolongada após ter perdido as forças para lutar. Não era um nome muito comum, era demasiada coincidência.

-Vejo que o nome te diz algo.- Comentou Hipnos inquisitivo.

-Sim. - respondi. - Era o nome de minha mãe.

Hipnos nada disse limitou-se a olhar-me em silêncio, depois tomou a minha mão entre as suas e perguntou-me:

-Já decidiste se queres ficar ou partir com Morpheu? Ele deve estar prestes a chegar.

Desta vez quem ficou em silêncio por uns momentos fui eu. Uma parte de mim queria ficar. Outra parte de mim desejava Morpheu.

Hipnos pareceu perceber a minha indecisão.

-Não precisas responder já. Anda vamos dar um passeio, enquanto pensas.

Poucos passos andámos e surge-me a visão deslumbrante de uma cascata de águas límpidas e convidativas.

Vendo o meu olhar de admiração e desejo, perguntou-me:

-Queres nadar na cascata?

-Nadar numa cascata parece-me agradável. Não pensei que se fizesse algo como isso por aqui. –Respondi agradecida por ele respeitar o meu silêncio.

-Tens muito que aprender sobre o nosso mundo. -Disse Hipnos rindo com gosto

Dirigimo-nos para a cascata para irmos nadar. Por entre rochas que pareciam feitas de cristal brotavam águas límpidas e transparentes num cenário envolvido da mais verde vegetação que os meus olhos alguma vez viram. As águas formavam uma lagoa convidativa onde flutuavam uma espécie de nenúfares purpúreos. Nem a minha mais fértil imaginação podia conceber um lugar tão belo, tão paradisíaco como aquele. Hipnos antes de entrarmos nas águas da cascata advertiu-me:

-Esta é a Cascata da Purificação. Só poderás entrar se não ostentares qualquer peça de vestuário sobre o teu corpo, caso contrário, as tuas vestes conspurcarão as suas águas puras e despertarás a ira de Gaia. - Seguidamente despiu-se e entrou na água.

Ainda hesitei por momentos, depois pensei que seria uma idiota se não entrasse naquela cascata divina. Desnudei as vestes que trazia e mergulhei enquanto pensava que se aquele lugar era o paraíso e eu estava morta, não me parecia assim tão mau. Mal pusera cabeça fora de água e nem abrira ainda os olhos, quando ouço em tom espirituoso uma melodiosa voz familiar:

- Vejo que és teimosa, já te disse que não estás morta. Posso juntar-me a vocês?

26/07/2008

III Capítulo (1ª parte) Na companhia de Hipnos

Seguimos caminho por entre prados verdejantes cobertos de papoilas até encontramos algo semelhante uma caverna que aparentava ser escura e húmida. Tinha um ar sombrio, mas confesso que pela primeira vez desde que ali estava, começava a sentir fome e frio. Não sei, se de receio, se de cansaço. Porque demoraria tanto Morpheu? Sentia a sua falta, mas ao mesmo tempo temia que me tivesse desprezado, pelos meus pensamentos ao ver Hipnos. Contudo a sua preocupação comigo, não condizia com uma atitude de desprezo.

-Entra que ficarás surpreendida. - Disse Hipnos com um brilho sereno no olhar.

De facto mal atravessara o limiar da caverna, verifiquei que o seu interior era digno de um palácio mais rico rei de todos os reis. Atravessámos um salão enorme cujo tecto era uma imensa abóbada de vidro de onde podíamos ver as estrelas do manto Nix. O chão parecia também de vidro e ao olharmos para baixo víamos papoilas e prados por entre nuvens. Entramos noutro salão onde sobre uma enorme mesa se encontravam todo o tipo de manjares.

Hipnos convidou-me a sentar-me a seu lado. Sabia que era uma enorme honra para uma mortal. Ele próprio me servia uma travessa do mais delicioso dos manjares acompanhado do verdadeiro néctar de Dionísio. Depois de me sentir saciada e até porque com o cansaço o néctar de Dionísio parecia começar a surtir efeito sobre mim pedi:

-Então sempre posso saber porque Morpheu receia que Thanatos se aproxime, se dizes que aqui ele não tem poder?

-Sabes quem é Thanatos – perguntou-me.

-Sim. Posso dizer que é o mensageiro da morte...

-De facto podes dizê-lo. Em tempos que já lá vão Morpheu disputou o amor de Perséfone com Hades, mas este último venceu com ajuda de Thanatos que se queria vingar de Morpheu. Enquanto Morpheu povoar os mortais de sonhos, Thanatos nunca cumprirá os seus caprichos a seu bel-prazer.

-E o que aconteceu a Pérsefone? – Eu conhecia a versão da história contada pelos mortais, mas agora queria saber a verdade dos deuses.

-É rainha ao lado do Hades pois comeu a romã.

Nisto olhei para a mesa temendo se teria comido romã sem me aperceber. vi que nenhuma se encontrava sobre a mesa. Hipnos percebeu o meu olhar e apenas respondeu:

-Se um dia comeres os bagos da romã para mim, será por tua vontade e não por minha.

-Desculpa. -Disse eu, sentindo uma certa vergonha do meu receio.

-Fica descansada, eu compreendo os teus receios. - E continuou a contar o que sucedera.

- Morpheu teve de se conformar em não poder mais conquistar o amor de Perséfone. Até que um dia decidiu por capricho contra Cronos auxiliar uma mortal como tu. As vossas parecenças são mesmo mais do que muitas. No entanto ela tinha perdido confiança nos humanos e em si própria, e apesar das juras de Morpheu e deste a tratar como uma rainha, ela duvidava do amor de Morpheu e das suas intenções. Achava que Morpheu a iludia e deixou de acreditar nos sonhos. Icelus começou a importuná-la na ausência de Morpheu e quando Morpheu regressava, ela convencida de que era obra do próprio Morpheu rejeitava-o. Até um dia este assistir ao que se passava, e impedir que Icelus a voltasse a importunar. Morpheu disse-lhe que Eros tinha razão ao dizer que sem confiança o amor não existia e retirou-se magoado.

Ela arrependida de não ter acreditado nele caiu no desespero e quis tentar reconquistá-lo. Hera prometeu ajudá-la se ela lhe fizesse um único favor. Pedia-lhe que descesse ao Hades e pedisse a Pérsefone um pouco da sua beleza para entregar a Hera. Era impossível para uma mortal voltar do Hades sem auxílio de um Deus e no seu desespero entregou-se aos braços de Thanatos que a seduziu.

Morpheu pressentiu o perigo pois ainda a amava, mas tarde demais, pois esta entregara a sua alma ao Hades em troca do amor e perdão de Morpheu que Thanatos lhe prometera. Só quando percebeu que tinha saído traída gritou por Morpheu, mas era tarde demais. Nessa noite Morpheu e Thanatos discutiram violentamente e Morpheu perseguiu Thanatos, salvando todas as almas mortais de quem este se aproximava. Depois conseguiu que Zeus lhe retirasse poder nos domínios de Morpheu, pois não o pode proibir de entrar, uma vez que eu e ele somos irmãos gémeos. Thanatos prometeu vingar-se, mas o poder de Morpheu e a sua influência junto de Zeus é grande.

– Então se Thanatos não tem poder no reino de Morpheu, o que ele teme?

-Teme que ele te possa seduzir, num momento de fraqueza como o fez com a sua última protegida, e sobre a tua vontade Morpheu não tem poder.

Cerrei um pouco os olhos de cansaço

-Queres repousar?

-Sim. Gostaria.

Levanta-te e segue-me. Entrámos noutro salão onde só se encontrava uma enorme cama coberta de suaves lençóis e de umas cortinas de um azul celeste translúcido que deixavam adivinhar um repouso deleitado naquele leito. Junto da cama apenas se encontrava uma enorme lira que ao olhar de Hipnos começou por si só a tocar uma suave melodia.

Sentia-me zonza com o vinho a que chamara licor de Dionísio, ao mesmo tempo que me sentia confusa por ter tido dúvidas em relação a Morpheu. Estava um pouco receosa, não hesitei em perguntar:

-Aqui estarei segura?

Ao que Hipnos se acercou de mim e me tomou nos braços enquanto me deitava e dizia:

-Confia em mim. Não te trairei. Aqui estás segura. Consegues confiar em mim?

Lembro-me de ter pensado ainda " Morpheu, porque não és tu a carregar-me ao colo, porque me atiras nos braços de Hipnos? "Enquanto respondia:

- Não tenho outra escolha senão confiar. – E entreguei-me ao abraço dourado de Hipnos, que sorrindo afagou-me meigamente e só me lembro de sentir uma enorme sensação de prazer e fechar os olhos.

18/07/2008

II Capítulo (final de capítulo)

- Da tua beleza. Tens uma beleza digna de uma Deusa. Acho que Morpheu se encantou pela tua beleza e não é para menos. - Conforme dizia estas palavras Hipnos afagava-me o rosto, desenhando-o com os seus dedos. O seu toque era sereno. A seu lado não sentia a segurança que sentia com Morpheu, nem aquela sensação de ter surpresas a qualquer momento, mas sentia-me tranquila e serena com Hipnos.

- Que estranho! - Disse eu - Pensava que dormir era estar ao lado do Deus do sono e afinal aqui estou eu, ao seu lado e nem quero dormir.

Hipnos não conseguiu evitar de rir.

- Como estão iludidos os mortais. São apenas poderes que nós temos. O facto de ser o Deus do sono significa tenho o dom de fazer dormir e repousar quem precisar, mas também que posso usar o sono eterno para me defender dos meus inimigos. Não significa que perante a minha presença se tenha necessariamente que dormir.

Estava tão maravilhada com a presença de Hipnos, sentia-me tranquila na sua companhia, que nem me apercebi que Morpheu tardava em voltar.

De repente a luz começava a desaparecer e aos poucos uma escuridão semelhante à noite começava a cobrir parte do reino.

- Aqui também anoitece?

-Sim. Quando a rainha do escuro manto de estrelas, estende o seu manto. Este cobre grande parte do Universo.

- Quem?

-Nix a rainha da noite. É melhor nos recolhermos.

- E Morpheu como nos encontrará?- Perguntei eu.

- Não te preocupes. Ele saberá onde nos encontrar. Basta que ele pense em ti que te encontrará.Deves querer comer alguma coisa?

- Sim. Confesso que com tudo isto me saberia bem saborear um jantar.

-Então vem comigo. És minha convidada. Morpheu parece demorar...

De repente lembrei-me das palavras do meu protector, da preocupação de Morpheu que Thanatos se aproximasse de mim, o temor assolou-me a mente.

-Para onde? Thanatos não vive contigo?

- Sim. Mas podes ficar descansada. Thanatos não se aproximará de ti. Ele vive comigo nos campos elísios. Mas não habita a minha morada no reino de Morpheu.

Sentia-me abandonada por Morpheu. Confiei nas palavras de Hipnos e segui-o. Este pegou-me pela mão e percebendo a minha inquietação tentou serenar-me:

-Não te preocupes. Nada de mal te acontecerá.

- Responde-me só a mais uma pergunta. Qual o motivo da preocupação de Morpheu com Thanatos?

Os olhos de Hipnos não conseguiram esconder alguma consternação com a minha questão. Porém respondeu-me:

- É uma longa história, mas descansa que Thanatos só tem poder fora dos domínios de Morpheu e a minha morada ainda pertence aos domínios de Morpheu.

- O que aconteceu? – Perguntei receosa e curiosa.

- Contar-te-ei tudo enquanto comermos. Agora vem.

16/07/2008

II Capítulo (3º parte)

Inquietava-me a ironia na voz de Morpheu, a sua preocupação que Thanatos se aproximasse de mim. Estaria morta e ele não me queria dizer? Estudara que o rio Letes passava junto do reino de Hades, o reino dos mortos. E lembrava-me de termos passeado junto às suas margens. Seria que tudo era tão belo e sereno como eu via, ou tudo era uma ilusão gerada por Morpheu pois este dissera que isto era o sonho que eu escolhera. Hipnos interrompeu-me a torrente de pensamentos e interrogações que iam na minha mente:

- Em que pensas?

-Desculpa esqueci-me que, não lês pensamentos. Estou morta? – Perguntei sem levantar o olhar. Hipnos sorriu.

- Não. Acredita. Este é o reino de Morpheu e és sua protegida. Morpheu não tem qualquer poder sobre os mortos ou sobre o seu reino. Temes que ele te iluda? -respondeu Hipnos irradiando um brilho dourado que pareciam raios de sol a emanar dos seus cabelos doirados.

- Sim. Ele é Morpheu o deus dos sonhos criador de ilusões. Eu sou apenas uma entre tantas mortais. Se não estou morta porque é que estou aqui? O que levaria um Deus a auxiliar uma mera mortal como eu?

- Os Deuses são caprichosos. É um capricho de Morpheu. Mas não penses que és a primeira mortal que Morpheu auxilia. Ele gosta de mostrar o seu poder perante Cronos. Quanto ao resto terás de perguntar a Morpheu. Pois este costuma assumir as formas desejadas pelas mortais, mas perante ti, mostrou-se como é. Por isso se criou alguma ilusão foi para te proteger. E consigo perceber porque correu em teu auxílio.

-Não tinhas dito por capricho? Para mostrar o seu poder a Cronos? - Disse eu com uma ponta de ironia.

Hipnos sorriu.

-Não tens consciência pois não?

-De quê? -perguntei sem perceber onde queria chegar.

14/07/2008

II Capítulo (2ª parte)

Sabia que Morpheu me lia os pensamentos, mas não conseguia evitar de pensar em como tudo me espantava naquele sítio. Não conseguia evitar a minha admiração e atracção pela beleza de Hipnos. Quando este se aproximou de nós, uma estranha calma se apoderou de mim tal como uma enorme vontade de me atirar para os seus braços. Morpheu permanecia a meu lado segurando-me pela cintura. Por outro lado sentir o seu toque no meu corpo lembrava-me o quanto eu me sentia bem com ele.

- Bem vinda- disse Hipnos.

-Obrigada – respondi enquanto pensava como este, com os seus olhos e cabelos doirados, me fazia lembrar o brilho do sol. Bocejei e senti-me sonolenta. Não resisti a perguntar:

-Tenciona adormecer-me? – Hipnos sorriu. O seu sorriso era tão belo como o de Morpheu

-Não. Só o farei se tu quiseres. Nada aqui será feito contra a tua vontade. Se Morpheu te acolheu como sua protegida nada farei contra ti. Mas é comum, as pessoas sentirem-se um pouco ensonadas na minha presença. - respondeu sem deixar de sorrir.

Sorri e respondi:

- Ainda bem. Sim tem razão. Deve ser comum uma simples mortal como eu sentir-se ensonada na sua presença. Mas apenas por ter o dom de nos adormecer. Não me parece que seja pela sua presença nos aborrecer.

Enquanto conversávamos vi chegar um jovem que usava um capacete com asas na cabeça, calçava sandálias aladas e na mão trazia um bastão em torno do qual se entrelaçam duas serpentes e cuja parte superior é adornada com asas. Consegui reconhecer Hermes, com algum temor. Afinal este era o mensageiro dos Deuses e aquele que acompanhava as almas até ao Hades. Mas logo Morpheu me dissipou os temores:

-Não temas. Hermes vem falar comigo. - Conforme dissera isto, retirou-me o braço da cintura e dirigiu-se a Hermes. Não consegui ouvir a conversa. Mas ele regressou rapidamente dizendo:

- Tenho de me ausentar por momentos a minha mãe Nix e a minha irmã Fantasia chamam-me com urgência.

Ia começar a segui-lo para me ir embora quando ele me diz:

-Não podes vir. As reuniões de Deuses não podem ser presenciadas por mortais.

-E vais deixar-me sozinha? -perguntei eu não querendo que Morpheu se afastasse de mim.

-Não estás só. O meu pai cuidará de ti na minha ausência. Creio que vais apreciar a companhia.

Pela primeira vez notei alguma ironia na voz de Morpheu ao dirigir-me estas palavras. Não lhe respondi.

- É com prazer que tomarei conta da tua protegida -respondeu o seu pai.

- Por favor não deixes que Thanatos se aproxime.

-Fica descansado, ele encontra-se no mundo inferior com Hades e sabe que é Persona non grata no teu reino.

-Mesmo assim, por favor toma cuidado. - Dizendo estas palavras adoptou uma forma alada que o fazia parecer um anjo e partiu na companhia de Hermes.

Estava tão cansada de andar e ensonada, que, depois de Morpheu partir sentei-me no chão macio de nuvens. Hipnos sentou-se ao meu lado. Apesar de ele me transmitir muita calma e serenidade, sentia-me um pouco insegura sem a presença de Morpheu.

-Não te preocupes. Ele volta.

- Também lês os pensamentos? -perguntei enquanto pensava como a sua voz era melodiosa e serena.

-Não. Apenas sinto o desejo de repouso dos mortais. Mas é evidente a tua inquietação. Descansa que Morpheu não abandona os seus protegidos.

Porém não era apenas o facto de Morpheu se ter ausentado que me deixava inquieta.

(continua...)

11/07/2008

Nos reino de Morpheu II Capítulo (1.ª parte)

Conforme o segui, vi uma mulher bela, que irradiava uma aura de luz junto de si. Por momentos temi:

-É a tua esposa?

De novo aquele riso que, me enchia alma ecoou no ar:

- É a minha irmã Fantasia. Nem sempre ela é tão bela. Por vezes assume formas estranhas de acordo os vossos pensamentos.

-Nossos?

-Sim de acordo com o que vós mortais desejais ver ou pensais que existe. Ela costuma-me ajudar a cumprir os vossos desejos de sonhos.

-Isto é tão belo. Tão sereno…-respondi-lhe

Morpheu, sem nunca largar a minha mão, perguntou-me:

- Tens medo de partir? - Quis fitá-lo, não consegui. A sua beleza ofuscava-me a vista – continuou:

- Ou tens de medo ficar? - E nesse instante envolveu-me nos seus braços pela cintura. As ideias atropelavam-se na minha mente. Aquilo só podia ser um sonho ou um pesadelo, mas era tão real. Morpheu lançou uma gargalhada sonora e disse:

- Claro que estás sonhar. Afinal, encontras-te refugiada no meu reino. Só que este sonho foste que tu escolheste e não eu. - Sorriu. Eu fiquei ainda mais baralhada e assustada por sentir tão grande fascínio perante ele. Então perguntei-lhe:

- Quer dizer que a qualquer momento acordo e tudo isto se desvanece?

Morpheu sorriu enigmático e respondeu:

- Não, exactamente...

Fiquei à espera do resto da resposta, mas ele limitou-se a sorrir e disse

- Segue-me sem medo, sairás do meu reino quando tu quiseres, mas isso é mais complicado do que possas imaginar. Lembra-te que não és minha prisioneira e sim de Cronos. Eu limitei-me aceder ao teu pedido de auxílio. Agora vou mostrar-te o meu reino.

A esta altura já tinha percebido que só falava porque queria, pois Morpheu lia-me os pensamentos. Mas eu sentia-me segura ao ouvir a sua voz. Nisto sorriu e olhou-me de novo:

-Sim. Leio os pensamentos. Só dessa forma posso enviar os sonhos que os humanos pretenderem. Mas, só consigo fazer isso, àqueles que acreditam nos sonhos. Caso contrário o meu irmão Icelus pode interferir.

-Aquele que nos traz os pesadelos?

-Sim. vejo que nos conheces. Porque me pediste auxílio? Icelus importunou-te?

-Por vezes importuna. Não foi por isso. Nem sei porque foi. Nem sei como o fiz. Estudo a vossa História.

O sorriso de Morpheu mais uma vez lhe emoldurou o rosto:

- Estudam aquilo que nós pretendemos que vós humanos acreditassem

. -Como assim? Não és Morpheu?

- Sim. Mas nem tudo acontece como está descrito nos livros. Supostamente eu viveria deitado em uma cama de ébano, dentro de uma caverna escura cercado de papoilas. Não é?

-Não me recordo.

-É natural. Estamos a passear junto ao rio Letes. É melhor afastarmo-nos.

-Rio Letes?

-Sim o rio do esquecimento. O qual atravessarás quando quiseres partir do meu reino.

Conforme nos afastámos, um jovem tão belo como Morpheu passou ao longe a correr e acenou.

-É outro dos teus irmãos?

-Não, é o meu pai Hipnos. - Disse sem sorrir. Vi o brilho afastar-se dos olhos de Morpheu.

Nunca pensara que Hipnos fosse tão belo, além de que o supunha no seu eterno sono. Mas pareceu-me que a minha admiração pela beleza de Hipnos causara alguma apreensão em Morpheu, pois este que, até aí se mantera afastado, voltou a envolver-me com o seu braço na minha cintura, como se quisesse que eu permanecesse junto dele. (continua)