08/12/2002

Decidi publicar aqui o texto que não consegui publicar para o tema Alma lavada dos Anjos de Prata

Anjos de Fraldas

Há quem diga que os anjos andam entre nós, encarnando na pele de comuns mortais apenas em algumas circunstâncias em que temos mais necessidade uma palavra ou de um ombro amigo. Há mesmo quem fale em anjos circunstanciais. Aquela pessoa desconhecida que nos indica o caminho quando estamos perdidos. O desconhecido que nos devolve a carteira cheia de dinheiro que esquecemos no café. O desconhecido quem tem a coragem de nos perguntar se estamos bem, quando as lágrimas nos rolam pelos olhos abaixo no Metro. O amigo que não ligava há anos e de repente lembrou-se de nós. O amigo que não víamos há anos e que de repente quando menos esperamos, encontramos no meio da multidão das cidades. Estes desconhecidos e amigos por vezes aparecem quando mais precisamos e quando menos esperamos. Mas por vezes são mesmo aqueles seres pequeninos, que começam a dar os seus primeiros passos neste mundo, que na sua pureza nos ajudam a seguir em frente.

Lembro-me que as minhas sobrinhas tinham pouco mais de dois anos, quando eu atravessei uma fase muito difícil na minha vida, quer a nível pessoal, quer a nível profissional. Sempre que podia aproveitava para passar algum do meu tempo livre com as sobrinhas. Vê-las crescer, aprender a falar e andar é fascinante. Permite-me regressar à infância e ser de novo criança. Talvez por isso mais do que uma tia, as minhas habituaram-se a ver em mim uma companheira de brincadeiras e um ombro amigo para chorar quando caíam ou o balão rebentava. Receber um abraço ou um beijo espontâneo seus são dádivas divinas pela pureza dos seus gestos. Mas houve duas situações que me deixaram, mais do que feliz, de alma lavada. Eu brincava com a minha sobrinha mais nova na minha casa, quando a mãe a chamou para se despedir e se ir embora, perguntei-lhe se me dava um abraço e com um grande sorriso rasgado envolveu-me nos seus bracitos e respondeu-me:
- Muito “apetado”! – O mundo caiu a meus pés, enquanto ela me dava o seu abraço “muito apetado”.

Noutra ocasião recebi a maior prenda de natal de sempre. Estava a ver televisão com a minha sobrinha mais velha. Estávamos ambas caladas, quando de repente ela quebrou o silêncio e articulando as palavras com muito cuidado olhou para mim muito séria e disse:
- Eu amo muito a minha tia Flora.- Espantada olhei para ela e pensando que tinha percebido mal perguntei-lhe:
- O que disseste ?! _ ao que ela repetiu, (pensando provavelmente ter-se enganado nas palavras ) – Tu amas muito a minha tia Flora. - pedi-lhe que repetisse o que tinha dito antes, e que ela tinha falado bem. Então ela repetiu desta vez mais segura e de voz mais clara:
- Eu amo muito a minha tia Flora!

Dei-lhe um abraço “muito apetado” e fiquei com a certeza que enquanto existissem estes seres iluminados pela sua pureza e eu tivesse o seu amor incondicional, todos os meus problemas desapareceriam. A pureza dos seus gestos deixara-me de alma lavada.

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