11/02/2002

OBSESSÃO

Ela odiava perder. Ficava de mau humor, impossível de se aturar quando perdia fosse o que fosse. Deixara de jogar, pois assim se não ganhava, também não perdia. Catalogava religiosamente todas as suas coisa e onde ficavam, pois não podia perder tempo a procurá-las. Não usava as jóias que tinha, pois corria o risco de as perder. Evitava os comboios, os autocarros e os aviões pois se não chegasse horas poderia perdê-los. Quando tinha que utilizar estes transportes chegava sempre com horas de antecedência. Como não gostava de perder nada, e muito menos tempo, ela levava a agenda pessoal para anotar tudo o que precisava de fazer para nada perder. Tinha sempre muita calma, pois se não a tivesse corria o risco de perder a paciência. Muitas pessoas se indagavam, se ela não gostaria um dia de ter o prazer de ganhar um jogo, fosse ele qual fosse Dama, Xadrez, Gamão, ou até a Raspadinha que sorteavam na televisão? Quando a confrontavam, directamente com a questão, ela apenas respondia: - Vocês não estão a perceber, o que interessa não é ganhar, mas sim não perder. Praticava ginástica e fazia dieta porque não queria perder a forma. Ia com frequência ao médico, a consultas de rotina porque não queria perder a saúde. Comprava todos os cremes de dia e de noite, para ter a certeza que não perdia a sua beleza. No trabalho falava apenas o essencial, para não perder o seu o ar profissional. Não se apaixonava. No amor não arriscava, pois este era um jogo, assim, não perdia nem ganhava. Era esta a sua forma de viver. Arte no seu dizer. Foi assim que viveu alguns anos, até que um dia, de surpresa, recebeu a notícia que a sua mãe falecera. Ela perdera ! Ela perdera a pessoa mais importante da sua vida e nada pudera fazer. Nesse dia percebeu o verdadeiro significado da palavra PERDER. Só assim ela percebeu, que quando temos que perder, perdemos mesmo. Ela tudo fizera para não perder. Percebeu então que já tinha perdido, sem se aperceber: tinha perdido tempo a tentar não perder! Mas há coisas na vida que nada podemos fazer. Talvez por vezes seja bom perder. Perder tempo! Perder tempo a amar, a abraçar, a sorrir, a escrever; a perder jóias para depois as procurar, a conversar, a arrumar, a ajudar os outros, a correr atrás do autocarro, do comboio, do avião, do Coração. Perder tempo mesmo que de fugida a correr atrás dos sonhos, atrás da aventura que é a vida!

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