31/05/2002

Uma Sombra

Uma vez por semana percorria o mesmo caminho. Houvera tempos em que o percorrera quase todos os dias. Passava por uma rua onde se destacava uma luxuosa boutique, cujos modelos despertavam os sentidos e aguçavam a imaginação daqueles que admiravam a montra.

Mais à frente passava pela padaria, onde a padeira gorda e bonacheirona, retribuía prazenteira os bons dias aos transeuntes. Aos poucos todos os troços do caminho iam ganhando vida, enchendo-se de gente num incessante corre-corre. O leiteiro, o carteiro, a peixeira, os donos da loja em frente aos correios, todos retomavam as suas rotinas. No entanto, ao fazê-lo, nos seus gestos, nas suas expressões, todos vislumbravam uma sombra de felicidade, prestando culto ao seu viver.

Como ela gostaria de fazer parte integrante desse quadro, que lhe avivava as mais diversas recordações. Quase à saída da vila, mudava de caminho, tomava um atalho e toda a paisagem mudava. O amontoado de casas, fervilhante de gente, agitação e barulho, dava agora lugar a uma paisagem onde as árvores eram a vida, e o silêncio quase inviolável.

Na floresta apenas ecoavam o barulho da cascata, numa melodia interminável e os trinados dos pássaros, que pareciam acompanhá-la com a sua canção.

Era aquele o seu passeio favorito. Caminhara todo o dia calmamente, como se quisesse absorver toda aquela vida.

O sol estava-se a pôr, em breve toda aquela magia desapareceria. Começava a escurecer, tinha que regressar. Apressou o passo. Não podia chegar atrasada, se o fizesse, o Guardião zangar-se-ia e seria proibida de dar o seu passeio por muito tempo. Tornou a apressar o passo contrariada. Tinha que regressar ao que era agora a sua morada, àquele cemitério enfadonho!

Flora Rodrigues1988

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