22/09/2008

IV Capítulo-O regresso de Morpheu (final de capítulo)

Fantasia parecia voar na sua túnica alva e plissada, as suas formas deixavam adivinhar uma mulher sensual por detrás do tecido ligeiramente transparente. Assim que entrámos no salão pegou num jarro do fabuloso néctar de Dionísio e serviu-se. Perguntou-me se também queria:

-É melhor não. - Respondi eu.

Fantasia sorriu.

-Vejo que temes os efeitos deste licor divino.

-Não propriamente. Apenas acho que no Jantar de ontem, exagerei um pouco e se não for ofensa prefiro um pouco de água.

-Não é qualquer ofensa. -Respondeu-me enquanto me servia um copo de água. Sentou-se e continuou a falar:

-Não vejo Morpheu tão entusiasmado há muitas madrugadas, mas vejo-te apreensiva e sinto-te dividida entre meu pai e meu irmão…

-Eu…- Ia continuar a falar mas Fantasia não me deixou. Outra que lê os pensamentos, pensei para comigo.

-Deves estar a pensar eu leio os pensamentos como Morpheu, mas é pior do que isso, ou melhor, depende do que tu achares. Eu vejo e as tuas vivências e sinto os teus desejos e emoções. Assim que aqui entrei vi o meu pai carregar-te ao colo e beijar-te. Senti as tuas dúvidas sobre Morpheu e a tua atracção por Hipnos.

- Se me permites acho apenas um pouco assustador. Mas se é assim, sabes que os meus sentimentos por ambos são sinceros…

-Sim sei, por isso podes contar comigo como aliada. Mas deixa-me que reforce o aviso da Náiade na cascata. Tem cuidado, despertastes iras em algumas Deusas do nosso mundo, apenas por te verem com Morpheu e sentirem-se afrontadas pela tua beleza. A sua ira crescerá ao perceber que meu pai e meu irmão te desejam.

-Desculpa mas agora preciso mesmo interromper-te. Se foi uma Náiade que me falou na cascata, não corro perigo de morte? Não são ela ninfas guardiãs de água doce, que não gostam que ninguém se banhe nas suas águas?

-Sossega. Tudo o que disseste está correcto. Mas esta cascata é uma excepção. Vou revelar-te um segredo. O meu pai levou-te intencionalmente à cascata, pois queria saber a pureza dos teus sentimentos. É fácil para uma mortal fascinar-se por um Deus, apenas porque ele é um Deus. As ninfas desta cascata só punem aqueles que não são sinceros nos seus sentimentos.

-Isso significa que corria risco de vida na cascata…-Disse, com os meus sentimentos um pouco confusos.

-Sim. Correste. Por outro lado Morpheu ao ver-te viva e repleta de flores na cascata, percebeu que te sentias sinceramente dividida, o que de certa forma o deixou sereno.

-Posso perguntar-te mais uma coisa?

-Podes …

-Morpheu esqueceu Safira?

- Esse foi um assunto proibido durante muito tempo entre nós. Por vezes sentia-o com vontade de tentar resgatar Safira do Hades. Até um dia ele descobrir que isso se tinha tornado impossível

-Sei que não seria fácil. Mas impossível porquê?

-Perséfone convenceu Hades a dar uma segunda oportunidade a Safira de ser feliz, reenviando-a para o mundo dos mortais e ela nunca mais procurou Morpheu. Desde aí Morpheu apenas queria povoar os mortais de sonhos felizes na esperança de a reencontrar um dia. Por isso quando sentiu o teu apelo não hesitou, poderia ser ela.

-Mas não sou…- Respondi intrigada por saber porque continuou a proteger-me depois de perceber que eu não era Safira.

- Não, não és. Porém as semelhanças são muitas quer em beleza, quer na tua voz e forma de estar. Se não tivesse a certeza, diria que estava na presença de Safira. Se fosses a sua alma renascida ele e eu saberíamos.

-E eu que significo para ele?

Fantasia transformou-se numa pequena, nuvem, de seguida voltou à sua formou e rodeou-se de um arco-íris que a envolvia, de seguida numa árvore repleta de flores coloridas, por fim voltou à sua forma inicial com um riso límpido e sonoro que transmitia uma felicidade imensa.

-Tudo aquilo que viste e sentiste. Vida, alegria, cor. Felicidade. És o sonho que o Deus dos sonhos ainda não conseguiu sonhar. O sonho do amor.

De repente ouvimos as vozes de Hinos e Morpheu alteradas.

-Pedi-te que a afastasses de Thanatos e levaste-a à Cascata sabendo que ao primeiro erro cometido em pensamento as ninfas o chamariam!

- Não estejas a ser infantil Morpheu. Mesmo que isso tivesse acontecido eu tê-la –ia defendido de Thanatos. Esqueceste-te de que é meu irmão gémeo e nunca me traiu.

-Mas traiu Safira e já não sei se teve a tua ajuda.

-O ciúme fala por ti. Mesmo depois de Pandora ter decidido partir contigo. Pediste-me que tomasse conta dela e a protegesse. Foi o que eu fiz. Se não confias em mim porque a deixaste comigo?

- Confiei. Mas não volto a confiar. Nunca pensei que pusesses em risco dessa forma.

Consegui dominar o impulso de ir espreitar o que se passava. Mas não consegui evitar uma expressão constrangida enquanto ouvia a altercação dos dois. Fantasia encolhia os ombros e dizia-me para não lhes dar importância. Brevemente aquilo passava. Um não conseguia existir sem o outro.

-Acho que deves partir. Devo de ir falar com Nix. Devias-te preocupar mais com outras coisas. Cronos está enfurecido, por teres auxiliado Pandora. Ele não tem poder no teu reino. Mas outros deuses têm o poder de cá entrar e têm poder no teu reino. Mais uma coisa. Tens a certeza que Safira não teve nenhuma filha tua?

Fantasia olhou para mim como se quisesse ver a resposta. Pela primeira conseguira-a ver surpreendida e intrigada.

Um incómodo silêncio invadiu o refúgio de Hipnos.

14/09/2008

IV Capítulo (1ª parte)-O regresso de Morpheu

-Morpheu!- Gritei espontaneamente sem conseguir esconder o meu contentamento e esquecendo-me por breves momentos da presença de Hipnos. - Contente por me ver? - perguntou Morpheu sorrindo enquanto entrava na água e me tomava nos seus braços. Não pude evitar pensar o quanto desejara este momento, quando Hipnos me carregara ao seu colo. Hipnos e Morpheu trocaram olhares simultaneamente cúmplices e ameaçadores. -Sim, muito. Confesso que por momentos temi que me abandonasses. - Disse olhando para Morpheu sentindo-me de certa forma envergonhada. Morpheu sorriu e olhou para mim. Nesse momento consegui ver estrelas a brilhar nos seus olhos negros que me faziam sonhar. -Não tenciono fazê-lo, a não ser que tu o desejes. Porque há algo que neste momento eu não consigo evitar de fazer... - e dizendo isto beijou-me como nunca o fizera antes. Não consegui reagir apesar de saber que Hipnos estava presente, tinha desejado demais aquele momento para o conseguir evitar. A surpresa da súbita presença de Morpheu e do seu igualmente súbito beijo, deixaram-me desarmada por alguns breves instantes. Tudo se estava a passar rápido demais para mim e eu começava a sentir-me como se nada daquilo se passasse comigo. Mas ao recordar-me de que me encontrava desnuda na cascata e nos braços de Morpheu, ruborizei como se fosse uma adolescente nas suas primeiras experiências amorosas, ao olhar para baixo porém os meus olhos verificaram com surpresa, que não me encontrava desnuda, o meu corpo estava coberto de pequenas flores brancas similares às flores purpúreas dos nenúfares que flutuavam na cascata. O mesmo sucedia com Hipnos e Morpheu. Mais tarde explicaram-me que as ninfas guardiãs da cascata que só apareciam quando queriam, se encarregavam de vestir aqueles que se banhavam nas suas águas para que a nudez, não despertasse sentimentos maliciosos. Recuperada da surpresa, encarei Hipnos que me fitava de rosto de sereno e sério. Respirei fundo e olhando para Morpheu disse: - Morpheu, eu...- e neste momento senti como se tivesse a voz presa na garganta… -Shiuu, não digas mais nada, porque eu sei o que vais falar..-Respondeu-me ele pondo-me suavemente um dedo na boca. -Sabes? -Perguntei um pouco envergonhada sem surpresa, pensando que, devia ter percebido a troca de olhares. -Sim, sei. És minha protegida, não és minha prisioneira. Nem és minha propriedade. És livre de fazeres o que entenderes. Mas preciso de saber se queres ficar ou se queres vir comigo? Percebi que me lera os pensamentos, que sentira a minha confusão. A minha indecisão. Hipnos era a serenidade, a calma, que eu tanto desejava sentir. Morpheu vibrava de vida de energia, de sonhos, de surpresas, era a adrenalina de que precisava para me sentir viva. E ali estava eu uma simples mortal, dividida pelo desejo por dois homens, por dois deuses. Devo dizer que nunca esperara a reacção serena dos dois perante a situação. Foi Hipnos que me interrompeu os pensamentos: -Parte com Morpheu, eu percebo a tua indecisão. Nós os deuses sabemos como o coração humano é caprichoso e nos pode trair ficando dividido entre duas paixões. Não temas, não és um capricho para nenhum de nós. Mas quero que saibas que se partires podes sempre voltar. - Disse estendo-me os braços e tomando as minhas mãos nas suas. Queria percebê-los, mas não conseguia. Em vez de se enfrentarem furiosamente, esperavam com serenidade que eu tomasse uma decisão. Tomar decisões nunca fora o meu ponto forte e nesta situação muito menos, mas sempre que olhava para Morpheu o meu coração acelerava e um sentimento estranho forte e indescritível invadia-me, era algo que nunca sentira antes. Olhei para este e pedi-lhe se podia despedir-me a sós de Hipnos. Morpheu acedeu a meu pedido. -Aguardo-vos na gruta. Pois tenho assuntos a tratar com Hipnos depois de falarem o que tiverem a falar.- Disse ele antes de sair da água e de seguida caminha rumo à gruta de Hipnos. -Não quiseste que Morpheu te lesse os pensamentos? Perguntou-me este último. - Não foi isso, mas talvez seja bom também. Queria agradecer-te por tudo e pedir-te desculpa se alguma forma te magoei. Hipnos tomou-me o rosto entre as mãos e olhando-nos olhos retorquiu: -Não me agradeças, adorei estar contigo. E não me peças desculpa, não fizeste nada para isso.Foste induzida pelo meu desejo. Não posso voltar a pedir-te que fiques, respeito a tua decisão. Mas há algo que queria pedir-te. - O quê? -Apenas se me concedes um beijo de despedida. Ia beijá-lo no rosto, mas ele voltou a tomar o meu rosto nas mãos e beijou-me docemente dando-me aquela sensação de tranquilidade que me fazia sentir bem a seu lado. Afaguei-lhe o rosto que brilhava, reflectindo-se nas águas límpidas da cascata e mais uma vez lhe disse: -Obrigada. -Agora vamos, Morpheu aguarda- nos. Ao sair da cascata ouvi uma voz feminina doce e suave que me sussurrava: “Podes confiar nos sentimentos de ambos, pois nesta cascata os sentimentos são puros e as palavras purificadas pela sua água antes de serem proferidas, mas tem cuidado que deusas há que se sentirão afrontadas por estes deuses te disputarem, bela mortal. Sabemos que também foste pura e sincera. Gaia proteger-te-á se for necessário. Agora vai… Ao chegar à gruta verifiquei que Morpheu não se encontrava só. A sua irmã Fantasia estava com ele. -Creio que já se conhecem. - Apressou-se Morpheu. Fantasia respondeu: -Sim, já a tinha visto, mas só agora reparo na sua beleza. Percebo agora que o meu irmão a tenha auxiliado contra a tirania de Cronos. Fantasia estava ainda mais bela do da última vez que a vira. -Obrigada pelas suas gentis palavras, mas não me comparo a sua beleza. Ela sorriu: -Vejo que vamos ser boas amigas. Venha vamos beber um licor enquanto Hipnos e Morpheu conversam. -Porque não? –respondi curiosa por a conhecer melhor e até porque estava a precisar de distrair um pouco a minha ,mente dos últimos acontecimentos.